Medicina e psicologia na adequação da identidade de gênero


O acompanhamento psicológico, psiquiátrico e endocrinológico é essencial para o autoconhecimento e tratamento hormonal de pessoas “trans” 

O termo “trans” se refere à transgêneros ou transexuais. É comum que muitas pessoas não saibam diferenciá-los, seja pela falta de conhecimento ou por preconceito. A identidade de gênero corresponde ao que a pessoa se identifica, como homem ou mulher. Esta identidade é diferente de orientação sexual, cujo conceito é a orientação do desejo, sentimento e atração por outra pessoa do sexo oposto ou do mesmo sexo, identificado com seu sexo biológico. Uma pessoa transgênero pode ter qualquer orientação sexual, seja homossexual, heterossexual ou bissexual.

Psicologicamente, os transgêneros sentem a necessidade de adequar seus corpos ao que são, devido à não identificação do gênero sexual de nascimento. Não possuem necessariamente o desejo de se relacionar com o sexo oposto ou mesmo sexo, pois sua própria identidade psicológica não está apenas adequada ao corpo em que nasceu. Por exemplo: uma mulher transexual, que se sente como homem, pode se interessar por um homem, utilizando-se do termo “trans gay”, ou seja, o sentimento de ser um homem gay. 

Segundo o psicólogo clínico, Dr. Florêncio M. Costa Júnior, a psicologia caracteriza a identidade de gênero como autopercepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente. “A psicologia reconhece a identidade de gênero como um produto da cultura que define atributos tipicamente categorizados como masculinos ou como femininos e é um fenômeno que ultrapassa a constituição biológica do sexo genital, sexo biológico e identidade de gênero podem ou não serem correspondentes. Sexo é biológico, gênero é social, construído pelas diferentes culturas. E o gênero vai além do sexo: o que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital”. 

Os transexuais sentem que sua anatomia não corresponde à sua identidade de gênero, por causa disso possuem vontade de modificar o corpo, através da terapia hormonal e cirurgia de redesignação sexual, conhecida como “cirurgia de mudança de sexo”. A inconformidade em relação aos órgãos sexuais é o principal objetivo do desejo de realizar a cirurgia, para assim, adequar-se ao corpo que desejam diante do que sentem, por exemplo, um homem que deseja ter o órgão sexual feminino e uma mulher com órgão sexual masculino. 

“As variações de gênero são produtos de múltiplos fatores e ainda hoje não existe consenso científico sobre as origens dessas variações. O que sabemos é que não se trata de doença e não se trata de desvio, é apenas uma manifestação das variadas possibilidades de se desenvolver como ser humano e que ultrapassam os limites rígidos que a cultura estabelece a partir do corpo biológico. Além disso, a sociedade em que vivemos dissemina a crença de que os órgãos genitais definem se uma pessoa é homem ou mulher. Porém, a construção da nossa identificação como homens ou como mulheres não é um fato biológico, é social”, destaca o psicólogo. 

A psicologia exerce um papel muito importante para o autoconhecimento e no processo de aceitação própria, fator importante para lidar com determinadas situações que o indivíduo poderá encontrar no dia a dia. “Em nossa sociedade uma pessoa trans fica exposta a um ambiente social hostil e opressor e, por isso, o acompanhamento psicológico quase sempre é importante, pois atua na redução das vulnerabilidades psicológicas, auxilia no processo de aceitação, afirmação e no enfrentamento dos inúmeros preconceitos e violências que a pessoa trans pode viver ao longo de sua trajetória de vida. O acompanhamento não é para tratar, mas para promover o desenvolvimento pleno da pessoa diante de um mundo permeado de preconceito e discriminação”, explica Florêncio. 

O preconceito, muitas vezes, pode surgir da própria família que não consegue lidar com o fato de existir uma pessoa “trans” no convívio familiar. Este tipo de comportamento pode desencadear diversos tipos de problemas emocionais em quem busca apenas o respeito em sociedade. “A aceitação da família é essencial, bem como a construção de uma rede de vínculos sociais seguros. Às vezes, a família precisa de acompanhamento para aprender a lidar com as questões inerentes ao processo de transição pois, consequentemente, também fica exposta a muitas dificuldades. Os familiares precisam ser ouvidos, aconselhados e ensinados sobre um mundo que desconhecem por falta de modelo e de visibilidade das pessoas transexuais”, alerta o psicólogo clínico. 

Quando as mudanças começam a surgir

A busca por adequação da identidade de gênero é favorecida pelo tratamento hormonal, que possui o objetivo de desenvolver as características físicas do sexo que se identifica. É crescente o número de transexuais que buscam este tipo de tratamento, porém, é necessário acompanhamento multidisciplinar de psiquiatra, psicólogo, cirurgião e endocrinologista. 

“Primeiramente, o paciente precisa passar por uma avaliação com um psiquiatra que esteja habilitado para este tipo de avaliação, para a definição e diagnóstico desta condição. Posteriormente, o paciente deverá iniciar um acompanhamento psicológico para posteriormente iniciar tratamento hormonal com endocrinologista, após assinatura de termo de consentimento onde o paciente é informado sobre o tratamento e os possíveis efeitos colaterais. Outro ponto importante a ser esclarecido antes do início da terapia hormonal é a questão da fertilidade, que será comprometida com a hormonioterapia”, explica o médico endocrinologista, Dr. José Henrique Castro. 

As mudanças corporais ocorrem com o passar do tempo, após o início do tratamento e uso das medicações. O endocrinologista auxiliará durante todo o tratamento, alertando para os riscos e cuidados necessários no processo. “As principais mudanças são decorrentes da ação dos hormônios que são administrados para estes pacientes. A testosterona utilizada para o paciente trans masculino irá gerar “engrossamento” da voz, aumento de pelos facial e corporal, ganho de massa muscular, aumento de clitóris. Para os trans feminino, onde será utilizada a terapia com estrogênio, a principal alteração corporal é o aumento de mamas. O tempo para o surgimento das primeiras mudanças corporais vai depender de cada indivíduo e também da terapia hormonal utilizada”, aponta o especialista. 

A reposição hormonal realizada de forma individual, sem orientação médica, psiquiátrica e psicológica, pode provocar sérios efeitos na saúde, como ansiedade, depressão, automutilação, além dos riscos de tomar medicamentos com dosagem incorreta, aumentando o risco de desenvolver doenças como trombose e câncer. O acompanhamento é imprescindível para que problemas graves não ocorram, principalmente devido aos usos inadequados de medicamentos hormonais.

“Os riscos são inerentes ao uso dos hormônios, onde se forem utilizados de forma incorreta ou em dosagem excessiva, podem gerar alterações em níveis de colesterol, aumento da concentração do sangue por aumento de hematócrito, câncer de mama, tromboembolismo. O paciente que iniciou um tratamento hormonal sem ajuda médica precisa buscar este tipo de acompanhamento, pois o médico endocrinologista irá realizar todos os exames necessários para checar a saúde e bem-estar do paciente, assim como monitorar os níveis hormonais e também outros exames para certificar que não haja efeitos colaterais nocivos para o paciente. Caso a pessoa apresente alguma alteração, o médico poderá intervir da forma necessária para corrigir essas alterações. Todo paciente deverá realizar acompanhamento médico trimestral durante o primeiro ano de tratamento e, posteriormente, acompanhamento semestral”, alerta Castro. 

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